Thursday, September 10, 2009

"Mas a física diz que..."

O fisicalismo é a teoria da mente dominante na filosofia contemporânea. Como o nome sugere, tem a ver com física. Para quem não estuda física, pode parecer irrelevante como se chegou a essa teoria da mente, mas ela praticamente rege o modo como vivemos, lemos jornal, assistimos à televisão, e sustenta nossa fé na ciência e nas máquinas mágicas daqueles programas tipo C.S.I. e afins. Então, vamos ver o que é esse tal fisicalismo.
Segundo o fisicalismo, tudo (indivíduos, propriedades, eventos) é físico. Algo é um indivíduo ou evento físico se tem alguma propriedade física. O principal argumento para sustentar essa visão do problema mente-corpo é um argumento de generalização indutiva a partir de sucesso científico passado. A estrutura do argumento é a seguinte:
Todos os As observados até então são X.
:. Todos os As são X.

Isso significa que, através da história, quando as pessoas tentaram explicar fenômenos apelando para entidades não-físicas, essa tentativas acabaram sendo mal-sucedidas, enquanto as explicações físicas funcionaram. Quando, por exemplo, tentou-se explicar fenômenos como raios e trovões, ou o movimento dos planetas, com referência, digamos, aos deuses, tais explicações falharam. Tais fenômenos foram, então, descritos pela física de uma maneira muito mais precisa, que também premitia a realização de previsões. Isto é, enquanto as explicações prévias atribuíam fenômenos sem explicação à ira dos deuses, com a explicação dos movimentos planetários através da física, os cientistas puderam explicar e prever fenômenos como eclipses, e sem o apelo ao sobrenatural. O mesmo ocorre, por exemplo, quando eu levanto meu braço: a física pode explicar meu desejo de levantar o braço em termos físicos (em termos neuronais, por exemplo), então, por que apelaríamos a entidades mentais, se as explicações que vão além da física estão fadadas a falhar?
Segundo o fisicalismo, a física permite que façamos isso mesmo se escolhermos um vocabulário que não é próprio da física. Quando eu uso a palavra “papel” para descrever a coisa em que eu esbocei este texto, eu estou, na verdade, usando a palavra “papel” para fazer referência a uma coleção de partículas, o que não significa que eu esteja postulando uma entidade adicional além daquelas da física. O mesmo ocorre com as propriedades dessas coisas. Se eu quiser dizer que este papel é sólido, o predicado “é sólido” não é uma propriedade adicional àquelas descritas pela física; é apenas uma maneira de expressar uma relação específica entre aquelas partículas.
O mesmo procedimento pode ser usado quando descrevemos uma pessoa: quando usamos os termos “humano”, ou, especificamente, digamos, Mary Stuart, rainha da Escócia, para nos referirmos a um indivíduo, estamos nos referindo a uma coleção de partículas específicas. Do mesmo modo, quando eu digo que Mary Stuart, rainha da Escócia, sentiu dor quando o primeiro golpe de guilhotina não acertou seu pescoço, e sim a parte de trás de sua cabeça, não estou expressando uma propriedade além daquelas da física. Estou apenas usando a expressão “sentiu dor” para falar de uma relação complexa entre partículas físicas fundamentais (e sua transmissão pelas fibras C, por exemplo, no caso de Mary Stuart).
Assim, vemos que tudo é físico pois tudo pode ser descrito com o uso de expressões da teoria física. Assim, isso nos fornece razões suficientes para crer que o fisicalismo está correto.
Essa foi uma visão bem resumida da história. Mas o argumento até que é convincente, afinal, a física esclareceu bastante coisa, de fato. Mas a conversa começa a complicar quando transpusermos o fisicalismo a histórias mais complexas e resolvemos falar de cores, sensações, zumbis e outras mágicas. Então, o outro lado da história, um dos argumentos contra o fisicalismo, fica para o post abaixo.