Sunday, September 27, 2015

FAQ

Eu tenho uma tendência a me cansar bem rapidamente da companhia exclusiva de filósofas e filósofos, então, tento passar uma boa parte do meu tempo com gente que faz coisas diferentes. Mas aí, a gente cai freqüentemente naquelas conversas de "mas o que você faz, mesmo?", e aí eu me arrependo de ter abandonado a companhia de minhas/meus colegas de torre de marfim. O "FAQ" abaixo dá uma idéia das coisas que fazem meu estômago se revirar -- e das respostas que eu tenho vontade de dar.

Disclaimer: no geral, eu tento ser paciente com as pessoas, e explicar as coisas comme il faut. Afinal, se filósofos (e filósofas, ocasionalmente) são obscuros(as), a culpa não é das pessoas em geral. Mas tem gente que abusa da nossa paciência. Além do quê, há uma linha bem pouco tênue entre perguntas de legítima curiosidade e gente querendo pagar de espertinha. A curiosidade é, na maioria de suas ocorrências, uma virtude, então, continuem exercitando-na, mas com cuidado. De nada serve a curiosidade se ela não vier acompanhada de reflexão e espírito crítico.

Q: Filosofia medieval? Mas existia filosofia na Idade Média?
R: Não. Não existia. Só existiam dragões e magos e castelos. Eu que inventei essa coisa de filosofia medieval, só para enganar vocês.

Q: Mas o que é a filosofia medieval?
R: É claro que eu posso fazer um resuminho rápido em 2 minutos, antes que você perca o interesse e comece a jogar algum joguinho no celular. É claro que aqueles livros de mil páginas e aqueles cursos de 90 horas tentando explicar o que é a filosofia medieval são claramente fruto do trabalho de gente preguiçosa, que não se esforça para ser concisa.

Q: Mas as pessoas sabiam escrever na Idade Média?
R: Não. Eu faço meu estudo filosófico a partir de desenhos. Tipo aquelas pinturas rupestres e tal.

Q: Mas... mas filosofia medieval! Você fala latim, então?
R: Falo. Inclusive, ligo semanalmente para o Seu Chico, lá no Vaticano, pra trocar uma idéia. Latim é uma língua perfeita para as interações do dia a dia e a que eu mais uso para interagir com estranhos no transporte público.

Q: Ok, mas você *lê* latim, então?
R: Não. Eu coloco meus textos todos no GoogleTranslate e deixo que ele faça o trabalho por mim. É assim que todos os textos filosóficos que saem publicados pelas grandes editoras são traduzidos; vocês não sabiam? A gente sabe que o GoogleTranslate é uma ferramenta perfeita (afinal, roda no computador). Pra que me dar o trabalho de fazer tudo à moda antiga se tem essa tecnologia linda a nosso dispor?

Q: Mas filosofia medieval tem a ver com essas coisas de Deus e bíblia, né?
R: Isso. Na verdade, minha tese é sobre Deus. Não sei bem por que eu chamo de filosofia, e não de teologia, mas já que ninguém mais percebeu isso até agora, vou continuar enganando os outros.

Q: Mas você acredita em deus?
R: Isso claramente tem tudo a ver com minha pesquisa, cujo objetivo principal é claramente provar a existência de deus; e é claro que acredito. Aliás, meu objetivo final, quando terminar o doutorado, é virar freira, porque é para isso que a filosofia serve.

Q: É verdade que na época medieval as pessoas viviam junto com os animais/viviam muito menos que a gente/que a peste negra era, na verdade, a peste bubônica/etc.?
R: Tudo verdade. E continue perguntando, porque, além de filosofia ser sinônimo de teologia, é também sinônimo de história. Manjo tudo de história. De história e de deus.

Q: Virtudes intelectuais na Idade Média? Mas na Idade Média não houve nenhum progresso científico, então, como assim falar dessas coisas "intelectuais" na Idade Média?
R: Primeiro, porque eu obviamente não tenho nada melhor para fazer e meu objetivo é enganar as pessoas. Segundo: de fato, não aconteceu nada importante na Idade Média, além da peste. A humanidade viveu em um grande vácuo de desenvolvimento de mais de mil anos até que aqueles brilhantes renascentistas vieram com seus lampiões e nos resgataram das trevas. É claro que a gente deve ignorar a multiplicação exponencial de bibliotecas, a fundação das universidades, as grandes navegações etc. Não aconteceu absolutamente nada de importante cientificamente nessa época e minha pesquisa é um engodo.

Q: Virtudes intelectuais. Mas sim! Tem essa coisa da inteligência emocional, que é bem importante. Você fala de emoções e inteligência emocional na sua tese? Porque você deveria. Porque são coisas importantes, sabe. Hoje em dia, a gente foca só no QI, mas já mostraram que tem outros tipos de inteligência e...
R: Sim, minha tese é e-xa-ta-men-te sobre isso. Quando eu falo em "virtudes intelectuais" é óbvio que eu cometi um erro e que o que eu quis dizer foi "emoções e inteligência emocional". Aliás, você não quer aproveitar e escrever minha tese por mim, já que você manja tanto assim do assunto?

Friday, August 28, 2015

Feminismo

Por que há tão pouca representação feminina na filosofia? Se a gente sabe que isso é um problema, o que a gente pode fazer para contribuir para uma melhora da situação? Quais são os papéis das mulheres na filosofia? Toda filósofa deve ser feminista? Toda filosofia deve ser feminista?

Foi justamente a essas perguntas que respondemos (ou tentamos responder) durante a mesa-redonda do 7º CIRFF (Congrès International des Recherches Féministes dans la Francophonie), organizada por minhas colegas Marie-Anne Casselot e Sarah Arnaud e por mim, e da qual participaram Dominique Leydet, Marie-Éveline Belinga, Sarah e eu, intitulada "Devemos sempre ser feministas na filosofia?"

Uma esquematização dos principais problemas enfrentados pelas mulheres na filosofia (e desenvolvido por mim e pela Sarah) será posto online em breve, no site do comité de equidade da Société de Philosophie du Québec. Depois eu coloco uma versão em português aqui.







Thursday, July 30, 2015

Escolástica

Petrus Aureoli, Robert Kilwardby, Tomás de Aquino, Francisco Suárez, John Locke, Proclo e Plotino. Nomes cotidianos em um dia escolástico qualquer em uma sala do Topoi, quase à beira do Spree.

Thursday, June 11, 2015

Portas

As pessoas nunca me perguntam o que uma filósofa faz nas "férias" -- but then again, as pessoas nunca me perguntam o que uma filósofa faz, ponto (provavelmente porque elas têm medo da resposta) -- e é bem possível que eu não tenha uma resposta geral o bastante para essa pergunta, mas, para alguém que pesquisa filosofia medieval, qualquer tempo "livre" pode servir para abrir portas como estas, da Biblioteca Apostólica do Vaticano.



Qualquer pessoa cujo trabalho envolva transcrição de manuscritos medievais não tem férias. Nunca. E minha miopia vai aumentando a cada pergaminho analisado...

Wednesday, June 3, 2015

Resenha: The Cambridge Companion to Virtue Ethics



The Cambridge Companion to Virtue Ethics é uma antologia de quatorze artigos que tratam dos aspectos centrais da ética da virtude: conceitos, abordagens históricas e desenvolvimentos contemporâneos, e as aplicações da ética da virtude como teoria moral contemporânea.

Embora eu talvez recomende este livro para alunas e alunos no final da graduação ou no início da pós-graduação, alguns dos artigos sobre áreas ou tradições específicas podem ser do interesse de pesquisadoras e pesquisadores mais avançados, devido à abordagem que inclui áreas menos discutidas em textos mais tradicionais, como a filosofia chinesa e a ética da virtude nos negócios. Ademais, o foco deste livro na pesquisa contemporânea sobre ética da virtude faz dele uma fote valiosa para pesquisadoras e pesquisadores com diferentes níveis de especialização em ética.

Para ler minha resenha completa (em inglês), clique aqui.

Tuesday, April 21, 2015

Erro

Colóquio Interuniversitário de Filosofia Medieval do Québec: meu orientador faz a conferência de abertura. Eu fecho. Isso vai demandar algum tanto de preparação...

Título da conferência: "L'erreur est humaine? Les épistémologies de Buridan"


Wednesday, April 8, 2015

Luta

Hoje, a universidade foi tomada pela polícia municipal e pela tropa de choque, para confrontar os estudantes em greve. Junto com o "professor em bonezinho de entregador de jornal", como chamaram os jornais locais, eu fui lá pra linha de frente, resistir à tropa de choque e tentar proteger (?) meus alunos e alunas. Não foi um bom dia, principalmente para alguém de alma puquiana...




Friday, March 27, 2015

Luz e verdade

Final de semana de pesquisa em Yale, onde fui muito bem recebida na Beinecke Rare Book & Manuscript Library, onde eu fui trabalhar com o MS Lat. Mellon 3: uma cópia (de c. 1350) de uma tradução de Robert Grosseteste da Ética a Nicômaco. Depois de fazer um cadastro online e requisitar o manuscrito (que leva 2-3 dias úteis para ficar disponível para a retirada com a bibliotecária), fui informada de que o manuscrito estaria disponível para mim durante um tempo limitado. Bastava seguir as regras de consulta da biblioteca. Passei umas duas horas analisando o manuscrito, que me foi entregue com todo o material de auxílio ao seu estudo (base de espuma e peso para as páginas).






Saturday, March 14, 2015

Isolamento

Nada melhor que estar no meio do nada, rodeada de neve, para trabalhar produtivamente. Maratona de 36 horas de trabalho. Ready, set, go!







Friday, February 27, 2015

Monday, February 2, 2015

R.I.P. Joe Frank Jones III

Com algum atraso por motivos de: vida acadêmica não está fácil pra ninguém.

Na tarde de 20 de janeiro, recebi um e-mail da lista da Society for Philosophy in the Contemporary World anunciando o falecimento do Dr. Joe Frank Jones III, professor e chefe de departamento da Radford University. Um obituário foi publicado alguns dias depois.

Conheci o Joe em 2009, numa conferência em Pine Lake, NY, quando ele ainda era professor no Barton College. Eu era a única mestranda participando da conferência -- a maioria dos participantes eram professores(as), mas havia também alguns(umas) doutorandos(as). Enquanto alguns participantes -- uma participante, em especial -- nem sempre eram gentis, Joe e sua esposa Polly, que o acompanhava, foram extremamente simpáticos e acolhedores.

Na época, eu já estava querendo migrar para longe da fenomenologia, mas Joe me encorajou, me disse que valia a pena estudar Husserl (o que eu estava tentando fazer) e Heidegger (longe de mim!).

Ficamos amigos no Facebook e interagíamos com alguma regularidade. Joe comentava freqüentemente nas minhas (raras) postagens e, vez ou outra, trocávamos idéias sobre questões acadêmicas e políticas. Ele sempre me encorajou a enviar propostas de comunicação para as edições seguintes das conferências anuais da SPCW, e encorajava também meu trabalho filosófico, em geral. Infelizmente, eu nunca mais pude participar de (nem enviar uma proposta para) outro encontro da SPCW, por infelizes conicidências de outros eventos acadêmicos ou planos pessoais.

De todo modo, nas minhas poucas interações "reais" e algumas tantas "virtuais" com Joe, ele sempre foi um acadêmico gentil, inclusivo e encorajador. E, na minha experiência, são poucas as pessoas que a gente conhece trivialmente no mundo acadêmico que são assim.

A filosofia perdeu uma grande pessoa. Os membros da SPCW perderam um grande colega. E eu perdi um pouco daquela voz que aparecia de vez em quando, no Facebook, que me dava um pouquinho mais de motivação para continuar minhas tantas horas de trabalho diário...