Sunday, May 9, 2010

Vida após a morte?

Embora muita gente pense que filosofia é especulação sobre o nada (ou sobre tudo), o interessante da filosofia está na beleza dos argumentos. Discutem-se questões como se há vida após a morte não com base em dogmas religiosos, crenças pessoais ou insights provindos de alucinações por entorpecentes.

A filosofia da mente é cheia desse argumentos. Um deles, a teoria do dualismo da substância, para defender a sobrevivência da "alma" após a morte do corpo, chega ao ponto de dizer que sequer somos corpos físicos. Parece absurdo, mas, vendo o argumento, até faz um pouquinho (bem pouquinho, mas vamos fazer uma forcinha, vai) de sentido:


(1)  Se você fosse idêntico ao seu corpo, você não poderia existir sem ele,
(2)   mas é concebível que você possa existir sem o seu corpo,
(3)   e ser concebível é um guia confiável para a possibilidade,
(4)   então, se você pode existir sem seu corpo, você não pode ser idêntico ao seu corpo,
(5)   então, você não pode ser seu corpo, ou qualquer outro ente físico.

Este argumento baseia-se principalmente nas premissas (2) e (3) acima, e é isso que examinaremos com mais detalhes. O argumento para a concebibilidade pode ser apresentado assim:

(6) se é concebível que x, então x é possível.
(7)    É concebível que eu possa existir sem meu corpo.
(8)    É possível que eu possa existir sem meu corpo [de 6, 7 por modus ponens]
(9)    Se x pode existir sem y, então x≠y. [pela lei de Leibniz]
(10) eu ≠ meu corpo [de 8, 9 por modus ponens]

Devemos, então focar nas premissas (6) e (7). Primeiramente, considerando (6), como sabemos se a concebibilidade é um guia confiável para a possibilidade? Bem, fazemos concepções o tempo todo. Na verdade, a vida seria um tanto mais complicada se não o fizéssemos. Por exemplo, para sabermos se a novíssima TV de tela plana de alta definição caberá no meu rack da sala, eu olho para o rack e tento imaginar – ou conceber – a TV cabendo ali. Você usa o mesmo tipo de raciocínio por concepção quando você concorda em carregar seu filho de um ano e meio no colo por alguns quarteirões, mas definitivamente – eu espero – não tentaria carregar seu carro, que ficou sem gasolina, nos braços por alguns metros até o posto. Algumas coisas, por outro lado, são inconcebíveis, como um triângulo de quatro lados. Tendo esses exemplos em mente, podemos dizer que a concebibilidade é um guia confiável para a possibilidade.

Mas e a premissa (7)? Eu posso conceber minha existência sem meu corpo? Mas é claro! E eu posso fazê-lo de diversas maneiras. Uma pessoa religiosa pode facilmente fazer isso quando pensa em vida após a morte, mas mesmo um agnóstico (ou ateu) pode conceber isso também: se pensarmos que tudo à nossa volta pode ser fruto de ilusão, alucinação, como um sonho. Imagine que tudo é irreal: o lugar onde você está, o computador a sua frente, a caneta que você usa para tomar notas, suas mãos, seu corpo inteiro. Ou imagine que você está dormindo, sonhando que você está em outro lugar. Embora seu corpo esteja (presumivelmente, a não ser que você seja sonâmbulo) na sua cama, você está tendo experiências como se estivesse em outro lugar. Então, você pode imaginar uma situação em que você existe, mas seu corpo não está aí. Assim, você acaba de conceber que pode existir sem seu corpo.

Agora, examinemos (9). Segundo a lei de Leibniz, para qualquer x e qualquer y, se x é idêntico a y, então para qualquer propriedade, x tem P se e somente se y tem P. Por exemplo, Bob Dylan é idêntico a Robert Allen Zimmerman (estes são dois nomes que se referem ao mesmo indivíduo, o famoso cantor de “Blowin’ in the wind”). Se eu disser que Bob Dylan esteve em São Paulo no dia 6 de março de 2008, também tem que ser verdade que Robert Allen Zimmerman esteve em São Paulo em 6 de março de 2008. Assim, se x é idêntico a y, x não pode existir sem y (assim como Bob Dylan não poderia existir sem Robert Allen Zimmerman).

Então, se é possível que eu exista sem o meu corpo (como mencionado anteriormente), então eu não posso ser idêntico ao meu corpo, o que nos leva de volta à premissa (5) acima, e prova o ponto do dualism da substância: você não pode ser seu corpo ou qualquer outra substância física.


Daí para o argumento da vida após a morte vou deixar por conta dos leitores.  A filosofia pára por aqui...