Wednesday, December 15, 2010

ScienceBlogs + Grande Diretório da Ciência Brazuca no Twitter 2010

Agradecendo rapidamente ao pessoal do ScienceBlogsBr por ter feito uma ótima compilação e publicado o Grande Diretório da Ciência Brazuca no Twitter 2010, incluindo, entre outros, esta que vos escreve.

Recomendo sempre a leitura do ScienceBlogs, e seguir o pessoal da lista no Twitter. Não é ciência deturpada para ser pop. E não é muito pomposa falando dialetos incompreensíveis.

Sunday, December 12, 2010

Rapidinhas de Bioética

Já entrando num esquema de férias, aqui vão duas rapidinhas de bioética.

A primeira é sobre a 2a. edição da coletânea A Companion to Bioethics, editada pela Helga Kuhse e pelo Peter Singer, os mesmo editores de Bioethics: an anthology.

Como é comum em livro de bioética (acho que pela própria natureza dos assuntos tratados, que são revisados com frequência), essa segunda edição é bem melhor e mais completa que a primeira, e complementa bem essa antologia dos mesmo editores que eu citei acima.

Para que lê inglês, tem uma resenha legal no periódico Metapsychology. A resenha foi revisada por mim, então, eu garanto. (hehe)

A segunda: eu já tinha comentado aqui sobre um teólogo que foi meu professor de bioética nos EUA. Ele acaba de lançar um livro sobre bioética aplicada principalmente a casos envolvendo UTIs neo-natais.  Já comprei, mas ainda não recebi o livro, então ainda não posso dar mais detalhes.  Mas eu garanto a qualidade do trabalho do autor (um dos professores mais brilhantes que eu tive). O livro se chama Too Expensive to Treat? Finitude, Tragedy, and the Neonatal ICU, infelizmente sem previsão de lançamento da tradução em português, mas baratinho na Amazon (clicar no link acima).

Sunday, December 5, 2010

Big Bang Theory: Psicologismo

No episódio 3 da 4a. temporada da série Big Bang Theory que foi ao ar aqui nos EUA nessa semana que passou (deve demorar um pouquinho para chegar no Brasil, mas fiquem atentos!), Sheldon tem uma briga com sua "namorada" Amy Farrah Fowler, e diz que ela está usando uma teoria psicologista, e acrescenta que o psicologismo foi refutado por Gottlob Frege no final do século XIX.

Eu fui ao delírio com o comentário. Lógico. Especialmente porque minhas primeiras aventuras filosóficas nos idos de 2003 tinham a ver justamente com Frege e sua refutação do psicologismo. "A quem interessar possa", vou citar a mim mesma, de um texto de 2005 (não-publicado):


"O psicologismo é um movimento filosófico que surgiu na Alemanha após a morte de Hegel, em 1831, quando, em reação ao antigo idealismo, a filosofia traçou seus rumos opondo-se ao caráter sistemático e abstrato do pensamento de Hegel, instituindo uma busca pelo concreto e pelo real, que se dividiu em três principais tendências: o anti-racionalismo, a teoria da ciência e o psicologismo.

"O anti-racionalismo, que tem como principais representantes Kierkegaard, Nietzsche e Schopenhauer, é um movimento que elabora uma crítica extrema aos poderes da razão. Essa reação ao pensamento que considerava o real como sendo, em última análise, racional, e a razão como sendo, portanto, capaz de conhecer o real e de chegar à verdade sobre a natureza das coisas é o que o anti-racionalismo tem em comum com as duas outras tendências já citadas.

"A teoria da ciência “é um ramo da filosofia centrado em um exame crítico das ciências: seus métodos e resultados”[1]. Esse movimento visa estabelecer o que é pensamento com base na ciência e, para tal, considera-a como objeto da reflexão filosófica. Alguns de seus representantes são Bernard Bolzano, Franz Brentano e Gottlob Frege, além dos filósofos Neo-Kantianos da Escola de Marburgo, Hermann Cohen e Paul Natorp, cujos temas eram essencialmente lógicos, epistemológicos e metodológicos. Todos eles, à exceção de Brentano, estabeleceram formas de crítica ao psicologismo.

"O psicologismo é um termo que foi usado pela primeira vez por H.J.E. Erdmann em 1866 para caracterizar a filosofia de F.E. Beneke. Este conceito, porém, é um conceito crítico que, na verdade, tem como termo originário o “anti-psicologismo”. Fato é que os chamados autores “psicologistas” não se autodenominavam desta forma, mas foram assim classificados pelos anti-psicologistas. Possivelmente, o primeiro autor a usar este conceito em sentido crítico (como tendência a se fundar a lógica na psicologia) foi Bolzano. Há muitos tipos diferentes de psicologismo[2], que podemos reduzir a: psicologismo lógico, no qual se fundamenta a lógica na psicologia, reduzindo-se as leis lógicas às psicológicas; psicologismo epistemológico, que faz depender a atribuição de valores de verdade às leis psicológicas; e psicologismo semântico, no qual os sentidos dos enunciados são interpretados como entidades psicológicas."

Deu pra ter uma ideia de como é a coisa. Sheldon, portanto, critica Amy por ela achar que pode reduzir toda a ciência teória e os processos da razão que são necessários à racionalidade científica a puros processo biológicos-neurológicos.  Sheldon faz bem e rebate com Frege. Mas, se me for permitido extrapolar um pouco a questão, Sheldon também não é 100% perfeito: ele se esquece de que suas teorias são, em sua maioria, extremamente fisicalistas, que acabam sendo tão reducionistas quanto o psicologismo.  Mas quem sabe isso ainda apareça em outro episódio da série.  Fico aguardando eles abordarem o hilomorfismo aristotélico...



[1] Robert AUDI. The Cambridge dictionary of philosophy. 2nd Edition. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. p. 700. Tradução livre.
[2] Cf. Martin KUSCH. Psychologism. London: Routledge, 1995. P.108: “First of all, writers distinguished between different forms of psychologism according to the fields of philosophy and the human sciences in which psychologism needed to be combated. Thus one finds ‘psychologism’ qualified as ‘metaphysical’, ‘ontological’, ‘epistemological’, ‘logical’, ‘ethical’, ‘aesthetic’, ‘sociological’, religious’, ‘historical’, ‘mathematical’, ‘pedagogical’ and ‘linguistic’.”

Saturday, November 27, 2010

Das mazelas da vida filosófica...

Para quem lê inglês e tem interesse em entender as mazelas da vida filosófica, este é um blog excelente (e divertidíssimo):

Philosophers Anonymous

Divirtam-se.

Tuesday, November 2, 2010

Princeton: Aborto

No post anterior, fiz uma referência rápida a como moral, prática e política pública têm funções bem diferentes em debates sobre bioética.  Mas aí esqueci de mencionar a ótima conferência sobre a questão do aborto a que eu fui em Princeton, em outubro: Open Hearts, Open Minds and Fair Minded Words, que contou com a participação de grandes nomes como Peter Singer, John Finnis e Cathleen Kaveny.

Para quem tiver interesse, vídeos das conferências estão disponíveis aqui.

Tuesday, October 12, 2010

Bioética: moral x políticas públicas

Eu não imaginava que em época de eleições presidenciais, o Brasil ia acabar ficando em polvorosa por conta da questão do aborto. Mas aí...

Questões de bioética são muito importantes, mas muito mal analisadas na filosofia. Parte do motivo é que bioeticistas não se importam muito em estudar metaética ou ética normativa. E aí a coisa fica difícil. É como se um biólogo que pesquisa grandes mamíferos se recusasse a estudar qualquer coisa sobre células ou reações que ocorrem em nível celular. Ou um geômetra que se recusasse a aprender a tabuada. Não rola. Os argumentos ficam fracos.

Felizmente, há exceções.  Uma das exceções é um teólogo (mas que também tem formação em filosofia) com quem eu tive aula.  Ele propunha que nós dividíssemos qualquer questão bioética em três camadas: 1) status moral, 2) uso, tratamento e morte, 3) política pública.

A primeira categoria é teórico-normativa, e tem a ver com o status moral da entidade sendo examinada (fetos, no caso da questão do aborto, animais, no caso da polêmica em torno de pesquisas em animais, pessoas com morte cerebral, por exemplo, no caso de debates sobre eutanásia, etc.).  A segunda categoria tem um tom mais prático, e se relaciona com a permissibilidade em vista do status moral discutido em 1.  A terceira categoria se dirige às práticas públicas e à viabilidade dessas práticas.

O problema que eu vejo com muitos argumentos levantados por essa discussão política é que eles fazem uma verdadeira mistura de 1, 2 e 3, como que atirando para todos os lados, para convencer as pessoas (tanto de um lado quanto de outro).  É interessante ver, entretanto, que mesmo quando analisamos opiniões de pessoas que são radicalmente contra ou a favor de uma determinada posição em 1 e 2, elas não têm uma posição necessariamente consistente em 3. Isso porque no nível público temos que fazer concessões devido à limitação de recursos governamentais.

Para quem se interessa pelo tema, uma das melhores leitura é Bioethics: an anthology (ed. Helga Kuhse e Peter Singer; Oxford: Wiley-Blackwell, 2006). Mas a segunda edição, que é bem melhor que a primeira.

Sunday, May 9, 2010

Vida após a morte?

Embora muita gente pense que filosofia é especulação sobre o nada (ou sobre tudo), o interessante da filosofia está na beleza dos argumentos. Discutem-se questões como se há vida após a morte não com base em dogmas religiosos, crenças pessoais ou insights provindos de alucinações por entorpecentes.

A filosofia da mente é cheia desse argumentos. Um deles, a teoria do dualismo da substância, para defender a sobrevivência da "alma" após a morte do corpo, chega ao ponto de dizer que sequer somos corpos físicos. Parece absurdo, mas, vendo o argumento, até faz um pouquinho (bem pouquinho, mas vamos fazer uma forcinha, vai) de sentido:


(1)  Se você fosse idêntico ao seu corpo, você não poderia existir sem ele,
(2)   mas é concebível que você possa existir sem o seu corpo,
(3)   e ser concebível é um guia confiável para a possibilidade,
(4)   então, se você pode existir sem seu corpo, você não pode ser idêntico ao seu corpo,
(5)   então, você não pode ser seu corpo, ou qualquer outro ente físico.

Este argumento baseia-se principalmente nas premissas (2) e (3) acima, e é isso que examinaremos com mais detalhes. O argumento para a concebibilidade pode ser apresentado assim:

(6) se é concebível que x, então x é possível.
(7)    É concebível que eu possa existir sem meu corpo.
(8)    É possível que eu possa existir sem meu corpo [de 6, 7 por modus ponens]
(9)    Se x pode existir sem y, então x≠y. [pela lei de Leibniz]
(10) eu ≠ meu corpo [de 8, 9 por modus ponens]

Devemos, então focar nas premissas (6) e (7). Primeiramente, considerando (6), como sabemos se a concebibilidade é um guia confiável para a possibilidade? Bem, fazemos concepções o tempo todo. Na verdade, a vida seria um tanto mais complicada se não o fizéssemos. Por exemplo, para sabermos se a novíssima TV de tela plana de alta definição caberá no meu rack da sala, eu olho para o rack e tento imaginar – ou conceber – a TV cabendo ali. Você usa o mesmo tipo de raciocínio por concepção quando você concorda em carregar seu filho de um ano e meio no colo por alguns quarteirões, mas definitivamente – eu espero – não tentaria carregar seu carro, que ficou sem gasolina, nos braços por alguns metros até o posto. Algumas coisas, por outro lado, são inconcebíveis, como um triângulo de quatro lados. Tendo esses exemplos em mente, podemos dizer que a concebibilidade é um guia confiável para a possibilidade.

Mas e a premissa (7)? Eu posso conceber minha existência sem meu corpo? Mas é claro! E eu posso fazê-lo de diversas maneiras. Uma pessoa religiosa pode facilmente fazer isso quando pensa em vida após a morte, mas mesmo um agnóstico (ou ateu) pode conceber isso também: se pensarmos que tudo à nossa volta pode ser fruto de ilusão, alucinação, como um sonho. Imagine que tudo é irreal: o lugar onde você está, o computador a sua frente, a caneta que você usa para tomar notas, suas mãos, seu corpo inteiro. Ou imagine que você está dormindo, sonhando que você está em outro lugar. Embora seu corpo esteja (presumivelmente, a não ser que você seja sonâmbulo) na sua cama, você está tendo experiências como se estivesse em outro lugar. Então, você pode imaginar uma situação em que você existe, mas seu corpo não está aí. Assim, você acaba de conceber que pode existir sem seu corpo.

Agora, examinemos (9). Segundo a lei de Leibniz, para qualquer x e qualquer y, se x é idêntico a y, então para qualquer propriedade, x tem P se e somente se y tem P. Por exemplo, Bob Dylan é idêntico a Robert Allen Zimmerman (estes são dois nomes que se referem ao mesmo indivíduo, o famoso cantor de “Blowin’ in the wind”). Se eu disser que Bob Dylan esteve em São Paulo no dia 6 de março de 2008, também tem que ser verdade que Robert Allen Zimmerman esteve em São Paulo em 6 de março de 2008. Assim, se x é idêntico a y, x não pode existir sem y (assim como Bob Dylan não poderia existir sem Robert Allen Zimmerman).

Então, se é possível que eu exista sem o meu corpo (como mencionado anteriormente), então eu não posso ser idêntico ao meu corpo, o que nos leva de volta à premissa (5) acima, e prova o ponto do dualism da substância: você não pode ser seu corpo ou qualquer outra substância física.


Daí para o argumento da vida após a morte vou deixar por conta dos leitores.  A filosofia pára por aqui...


Sunday, January 24, 2010

É realmente possível que pessoas igualmente inteligentes discordem? Mas como?

Como duas pessoas extremamente inteligentes podem discordar tão fortemente sobre alguns assuntos, inclusive sobre seus objetos de estudo?

O desacordo (ou a discordância) é um dos assuntos da moda na filosofia. Páginas e páginas (acho que bibliotecas inteiras na verdade) foram e ainda estão sendo escritas sobre o assunto.  Muitas dessas páginas são intermináveis discussões elaboradíssimas (e, consequentemente, herméticas)
em filosofia analítica. Mas aí veio MacIntyre...

Não é segredo que eu sou fã do Alasdair MacIntyre.  No ano passado saiu esse livro do Lawrence S. Cunningham, Intractable Disputes About the Natural Law: Alasdair MacIntyre and critics (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2009 – ainda sem tradução para o português), que é uma ótima referência para lidar com desacordos morais.  O livro tem um ensaio de MacIntyre, seguido por réplicas de outros grandes filósofos, seguidas por tréplicas de MacIntyre.

Em seu artigo, MacIntyre oferece (como de costume) uma posição aristotélica/kuhniana (darwinista) do anti-relativismo (cf. cinco tipos de discordância moral – pp. 8-11). Vamos ver o que isso significa.

Sua posição é aristotélica porque ele considera a verdade como fim da atividade teórica, e consideram importante a objetividade (ou inter-subjetividade, mas esse é outro ponto...) do conhecimento (p. 15).  MacIntyre também é famoso por sustentar uma posição focada nas idéias de virtude e eudaimonia (e também prudência, mas essa não é tão presente neste livro).

Sua posição também é kuhniana (ou darwinista, segundo alguns estudiosos) porque ele se baseia fortemente nas idéias de progresso, incomensurabilidade e paradigmas (cf. pp. 35-38), ao mesmo tempo em que procura uma base comum para o discurso compartilhado (para MacIntyre: um discurso moral compartilhado, visto principalmente em sua crítica ao utilitarismo). Mais sobre esse tema pode ser visto no artigo “Epistemological Crises, Dramatic Narrative, and the Philosophy of Science” (The Monist. 60. 1977).

A estrutura do argumento (os dos fundamentos da questão) de MacIntyre neste livro, apresentada na p. 3, é a seguinte:
1.      Os preceitos da lei natural (ou direito natural) como preceitos da razão, têm aplicação universal.
2.     Raramente se chega a acordos universais sobre questões morais.
3.      O relato tomista (= de Tomás de Aquino) da racionalidade prática – a questão é: o que a racionalidade requer quando nos vemos diante de outro indivíduo com quem estamos em radical desacordo?

Qualquer investigação coletiva só é possível se estiver de acordo com a racionalidade.  Mas como o desacordo pode existir, então? MacIntyre sugere que isso se dá devido a falhas na racionalidade prática.  Assim, ele diz, “é possível estabelecer que um ponto de vista moral pode ser racionalmente superior a outros sem que se garanta o assentimento de pessoas extremamente inteligentes, perceptivas e atenciosas, partidários de outros pontos de vista” (p. 4, minha tradução).

O resuminho é o seguinte: temos a lei natural. Conhecemos seus preceitos primários devido à racionalidade (à racionalidade dos preceitos e à nossa racionalidade). Os problemas, então, surgem devido a falhas na aplicação desses preceitos primários.

Uma consequência dessa linha de argumento é que qualquer prática que não pressuponha argumentos teóricos justificados através dos preceitos da lei natural falha no quesito racionalidade (p. 24). MacIntyre não tem medo de ser consistente.

Considerações externas como prazer, dinheiro e poder podem afetar (negativamente) o potencial acordo entre as partes envolvidas.  No entanto, a imaginação (um aspecto extremamente importante em qualquer teoria aristotélico-tomista, aliás), especialmente a imaginação de observadores externos e neutros, contribui para que haja ume certo nível básico de acordo.

Para quem se interessa pelo assunto, MacIntyre dedica uma boa parte de seu artigo à crítica do utilitarismo (especialmente pp. 38-45), baseando-se em problemas metaéticos e na ambiguidade do termo “felicidade” (eudaimonia, beatitudo), e também com base em noções incompatíveis de o que caracteriza a natureza humana.  Uma das coisas mais brilhantes que MacIntyre faz (embora eu não esteja 100% convencida de que o argumento se sustenta) é mostrar que os aristotélicos tomistas compreendem o utilitarismo melhor que os utilitaristas.

Queria terminar com um “viva MacIntyre”, mas acho que tem gente que não vai concordar. Ironicamente.