Tuesday, October 12, 2010

Bioética: moral x políticas públicas

Eu não imaginava que em época de eleições presidenciais, o Brasil ia acabar ficando em polvorosa por conta da questão do aborto. Mas aí...

Questões de bioética são muito importantes, mas muito mal analisadas na filosofia. Parte do motivo é que bioeticistas não se importam muito em estudar metaética ou ética normativa. E aí a coisa fica difícil. É como se um biólogo que pesquisa grandes mamíferos se recusasse a estudar qualquer coisa sobre células ou reações que ocorrem em nível celular. Ou um geômetra que se recusasse a aprender a tabuada. Não rola. Os argumentos ficam fracos.

Felizmente, há exceções.  Uma das exceções é um teólogo (mas que também tem formação em filosofia) com quem eu tive aula.  Ele propunha que nós dividíssemos qualquer questão bioética em três camadas: 1) status moral, 2) uso, tratamento e morte, 3) política pública.

A primeira categoria é teórico-normativa, e tem a ver com o status moral da entidade sendo examinada (fetos, no caso da questão do aborto, animais, no caso da polêmica em torno de pesquisas em animais, pessoas com morte cerebral, por exemplo, no caso de debates sobre eutanásia, etc.).  A segunda categoria tem um tom mais prático, e se relaciona com a permissibilidade em vista do status moral discutido em 1.  A terceira categoria se dirige às práticas públicas e à viabilidade dessas práticas.

O problema que eu vejo com muitos argumentos levantados por essa discussão política é que eles fazem uma verdadeira mistura de 1, 2 e 3, como que atirando para todos os lados, para convencer as pessoas (tanto de um lado quanto de outro).  É interessante ver, entretanto, que mesmo quando analisamos opiniões de pessoas que são radicalmente contra ou a favor de uma determinada posição em 1 e 2, elas não têm uma posição necessariamente consistente em 3. Isso porque no nível público temos que fazer concessões devido à limitação de recursos governamentais.

Para quem se interessa pelo tema, uma das melhores leitura é Bioethics: an anthology (ed. Helga Kuhse e Peter Singer; Oxford: Wiley-Blackwell, 2006). Mas a segunda edição, que é bem melhor que a primeira.