Monday, December 30, 2013

Auto-confiança

Temperaturas extremas no hemisfério norte (-30°C, alguém?) e no hemisfério sul (acho 38°C igualmente desnecessário) e cadê motivação para escrever?

Aí, quando a gente encontra a motivação, bate aquele desespero paralisador sobre a tese, o feedback da banca, a carreira acadêmica etc.

Nessas horas, sempre releio esse post (em inglês). Tem coisas bem importantes aí para a gente repetir como mantra três vezes por dia, no mínimo.

Um trecho:

"Não posso esperar fazer a tese de doutorado perfeita, então, preciso parar de tentar. E eu também sequer deveria querer isso, porque ela será menos lida que um e-book auto-publicado sobre a história das escovas para higienização de banheiros. Eu também não posso agradar a todo mundo. E eu também não deveria querer, a não ser que meu objetivo seja produzir o trabalho mais banal e estéril da história."

-- que é minha tradução livre de:

"I cannot expect to write a perfect PhD, so I need to stop trying. Nor should I want to, since it’ll be read less than a self published ebook on the history of toilet brushes. I also cannot please everyone. Nor should I want to, unless my aim is to produce the most sanitised, banal piece of work in history."

Um 2014 produtivo a todos.

Saturday, December 28, 2013

R.I.P. Peter Geach

Se não fosse pela Elizabeth Anscombe (coincidentemente!), eu diria que a pessoa que mais mudou (embora indiretamente) o rumo dos meus interesses acadêmicos nos últimos anos foi Peter Geach. A descoberta do tomismo analítico foi o penúltimo empurrãozinho que faltava para minha conversão à filosofia medieval.

E eis que, dia 21 de dezembro agora, morreu Peter Geach.

O Guardian publicou um obituário interessante, enfatizando a importância de Geach como filósofo católico.

John Haldane também escreveu um obituário, publicado no blog do Leiter, ressaltando as contribuições filosóficas de Geach.

Tendo feito um curso com o Haldane, arriscaria dizer que ele deve ser mais católico que o Geach (mas vá saber...), mas o texto bem curto dele dá uma idéia bem mais ampla, se mais especializada, das contribuições filosóficas de Geach, para além do tomismo analítico. Quem já ouviu falar do problema Frege-Geach (mais aqui) sabe bem disso...

Monday, December 2, 2013

Riso

Não tenho nada a dizer sobre esses ditos comediantes que adoram fazer piada sobre estupro, gays, mulheres feias, gente pobre etc. É importante que eles sejam denunciados (e respondam) pelos crimes que cometem, mas - ao menos atualmente - não tenho disposição para ficar argumentando contra esse tipo de gente.

Prefiro, então, só citar Calvin Normore, um dos grandes professores que tive aqui em Montreal:

"What's the function of laughter in human life? Well, one key function I think it is to level power. We laugh at the powerful and in laughing at the powerful we to some extent redress their power by making them seem and therefore making us behave with respect to them less powerful than they are. Okay, now when you laugh at people who are powerless, then you to some extent disempower them further."
(Daqui: https://www.youtube.com/watch?v=KB7n9iPxKIQ)

Basta.

Tuesday, November 19, 2013

Filosofia do direito

Confesso que filosofia do direito não é minha praia. Minha cabeça dói com lembranças pavorosas só de pensar em Hart e Dworkin. Estive ao lado de John Finnis em agosto passado e, meu instinto, na hora que bateu o "fight or flight" (i.e. reação de lutar ou fugir) foi me esconder, para evitar ficar presa em uma conversa interminável sobre direito natural e filosofia. Azar o meu, eu sei. Walzer e Rawls até me descem melhor, mas Raz já me causa desgosto. Mas é isso: a gente tem de escolher nossas batalhas. Eu fico com a ética e a epistemologia e deixo a filosofia do direito para os mais corajosos.

Para quem tem mais sangue frio que eu e se interessa por esses temas e autores, o Matheus Silva fez, já há algum tempo, no blog Crítica na Rede, uma lista dos livros (clássicos?) de filosofia do direito disponíveis em tradução para o português, com links para onde encontrá-los.

Talvez haja uma lista mais atualizada em algum lugar da internet. Se eu encontrar, atualizo.

Divirtam-se (?).

Friday, October 18, 2013

Como ler/planejar/escrever um texto de filosofia

Mais um post da série de auto-ajuda (cf. também este post e este post):

No blog do Charles Andrade Santana, encontrei mais algumas técnicas que podem ser úteis para estudantes de filosofia. São três textos do Jeff McLaughlin, professor da Thompson Rivers University, aqui no Canadá, e traduzidos pela Maria Clara Cescato, professora da UFPB:

Como ler um texto de filosofia
Como planejar um texto de filosofia
Como escrever um texto de filosofia

Os originais (em inglês) estão aqui, junto a um ensaio ainda não traduzido para o português (How to listen to a Philosophy lecture).

Embora eu não concorde com todo o conteúdo dos ensaios (discordo, principalmente, de algumas das técnicas de leitura), eles podem conter algumas boas estratégias.

Friday, October 4, 2013

Como escrever um trabalho de filosofia

Em um outro post, eu fiz um tipo de "guia" de como escrever para ("falar com") sua professora/seu professor, principalmente quando se quer discutir (leia-se: reclamar sobre) a nota de um trabalho.

Para evitar chegar ao ponto de ter de reclamar sobre a nota ou a correção, nada melhor que um "guia" de como se escrever um bom trabalho de filosofia. O James Pryor, professor da NYU, fez um guia desse (Guidelines on Writing a Philosophical Paper), que, para a alegria dos professores de filosofia no Brasil, foi traduzido para o português e está disponível em versão pdf na página da UFSC.

E, como muito da filosofia se aprende de maneira negativa, tem também um guia de como se escrever um trabalho porcaria. Este guia, escrito pelo James Lenman (Univ. of Sheffield), por enquanto só está disponível em inglês (aqui) [edição de 08/10/2013: há uma tradução para o português aqui, como o Eros bem apontou nos comentários].

Vale para a graduação, o mestrado, o doutorado... Para ler e reler.

Edição de 05/10/2013: como o Eros bem lembrou nos comentários, também tem esse tutorial aqui (em inglês), que é ótimo.

Wednesday, September 18, 2013

"Em Busca de uma Teoria do Sentido"

Jabá da semana: acaba de sair, pela EDUC, o livro "Em Busca de uma Teoria do Sentido: Windelband, Rickert, Husserl, Lask e Heidegger", de José Resende.



O José trabalha com a questão do sentido no contexto da virada lingüística, e coloca Windelband, Rickert e Lask em diálogo com a fenomenologia de Husserl e Heidegger.

Eu ainda não li, mas, pelo que conheço do trabalho do José, certamente vale a leitura. À venda na Loja da PUC-SP, na Livraria Cultura e na Livraria Cortez.

Sunday, September 8, 2013

Scientific (sic) American

Vi primeiro na Salon: a Scientific American publicou um editorial (não-assinado), se declarando contra os rótulos que indiquem que um alimento é (ou foi) geneticamente modificado. O argumento principal deles (digo "eles", de forma genérica, pois, como disse antes, o editorial não é assinado) é o fato de eles seram pró-ciência.



Não vou nem entrar nos méritos de todas as falácias do editorial, mas acho que vale a pena sublinharmos alguns pontos das pessoas pró-rótulo (e pró-regulamentação dos alimentos geneticamente modificados) que os editores da revista tentam caricaturizar. Não vou comentar todos os pontos (nem vou comentar exaustivamente os pontos que escolhi), porque há livros e mais livros e artigos e mais artigos escritos sobre esse bê-a-bá ignorado pelos caras da Scientific American, e eu não vou explicar coisas que qualquer pesquisa rápida no Google poderia esclarecer. Mas vamos a alguns itens importantes:

1. Querer que os alimentos contendo organismos geneticamente modificados (OGMs) tenham isso indicado no rótulo (como acontece, até onde eu sei, desde 2011 no Brasil) não é ser "anti-ciência". Querer mais pesquisas (científicas!) sobre a segurança dos OGMs não é ser anti-ciência.

2. Um dos argumentos usados pelos editores é o de que há muito tempo usamos técnicas de modificação genética de alimentos. Sim, isso é verdade. Mas há uma diferença crucial entre cisgênicos e transgênicos. (A tabela contida no verbete sobre cisgênese que eu linkei aí acima é particularmente útil e interessante para entender as diferenças.)

3. Voltando ao ponto 1, querer que os alimentos contendo OGMs tenham rótulos que indiquem isso não é nada absurdo e essa exigência está ligada à noção de consentimento: mas até sem sequer entrar em questões de autonomia, liberdade de escolha e consentimento informado, parece óbvio não haver mal algum (para não dizer que há benefícios óbvios) em sabermos exatamente o que estamos comprando e ingerindo. Assim como alimentos têm rótulos com informações nutricionais e origem dos produtos (elementos que podem - ou não - servir para guiar nossas escolhas de consumo), não parece haver um mal óbvio em que se marque, por exemplo, com um "T" (como no Brasil), os alimentos que contêm OGMs. Aliás, talvez seja até melhor para os defensores dos OGMs: assim, eles poderão ter sempre a certeza de que estão comprando um alimento "científico" (sic) e não um orgânico, "produto da barbárie randômica da natureza". Minha pergunta aos editores da Scientific American aqui, seria: "Por que é que VOCÊS têm medo da ciência?" ou "Por que é que VOCÊS têm medo de que as pessoas vejam o trabalho da ciência?"

4. O que todas essas pessoas pró-OGMs que se dizem pró-ciência convenientemente se esquecem de dizer é que a ciência não é uma coisa completamente isolada, que acontece em um universo paralelo e que recai sobre a terra para salvar a humanidade. Essa tal ciência de que eles tanto falam está acontecendo aqui e agora, e ela tem implicações políticas, sociais e econômicas (sem falar ambientais!) fortíssimas. O fato de, por exemplo, sementes de grãos OGM (como milho ou soja) serem protegidos por direitos autorais e as práticas contratuais das detentoras desses direitos (como a Monsanto) gera um ciclo de dependência econômica, e promove desigualdades sociais (não apenas por conta da dependência que o produtor sempre terá da fornecedora de grãos, mas também por conta das conseqüências a longo prazo da monocultura e do esgotamento do solo). Mesmo pessoas que são pró-ciência e defendem os OGMs pelo aspecto científico podem ser contra os OGMs (ou podem querer evitá-los) por conta de suas catastróficas conseqüências que vão para além do chamado âmbito científico. Não vejo o que há de científico em uma prática irresponsável (no sentido de responsabilidade social), que escolhe só ver uma parte do problema.

5. A menina dos olhos desse pessoal que defende os OGMs é o tal "arroz dourado", que poderia acabar com a deficiência de vitamina A e com a cegueira, especialmente em regiões onde há escassez de alimentos e as pessoas são mal-nutridas. Ok. O arroz dourado até pode ajudar a reduzir esses problemas, mas ele só está aí tampando um buraco: o principal problema dessas pessoas não é a falta de ciência. O principal problema delas é falta de alimentos e nutrientes em quantidades adequadas. Enquanto o arroz dourado pode suprir a carência de vitamina A, ele não suprirá a falta de proteínas, vitamina C, tiamina, riboflavina, iodo etc. E muitas dessas populações que vivem em áreas onde há altos índices de deficiência nutricional não vivem, necessariamente, em áreas onde há escassez de plantações. O problema é que o ciclo das monoculturas (especialmente grãos - produzidos, em sua maioria, para servir de ração para animais que serão abatidos em outras regiões) não gera alimentos idealmente nutritivos, nem dá aos agricultores poder econômico suficiente para que possam comprar os alimentos que supririam suas deficiências nutricionais. Olhando o mapa de índice de deficiência de vitamina A, vemos que alguns desses países onde as pessoas mais sofrem com essa deficiência (e com desnutrição, em geral) são grandes produtores e exportadores de alimentos (Índia, Brasil, México) e são países que exportam justamente grãos geneticamente modificados, cujas sementes são fornecidas pelas grandes corporações detentoras dos direitos de comercialização dessas sementes, como a Monsanto, que é canadense. Então, a ciência está servindo para melhor alimentar a humanidade ou concentrar riquezas com a indústria (científica) de sementes de países desenvolvidos e aumentar a renda de grandes produtores e detentores de terras em países sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento, em um sistema em que os único beneficiados são pessoas que nunca foram mal-nutridas para começo de conversa? Será que o nosso problema está mesmo na rejeição da ciência? Ou na nossa recusa em aceitar que estamos focando nos problemas errados?

6. É bastante fácil fazer um paralelo entre as indústrias de OGMs e as indústrias farmacêuticas: ninguém quer negar o comprometimento que elas têm com o trabalho científico. Contudo, é obviamente coerente exigir que ambas façam testes exaustivos e não-comprometidos de seus produtos antes de colocá-los no mercado. No caso de um produto farmacêutico, se nos propusermos a fazer parte de um estudo clínico de um medicamento que ainda não foi suficientemente testado, temos que dar nosso consentimento e passar por um processo de seleção, para que se certifique de que nossa saúde não seja colocada em risco durante os testes. Porque é pedir demais que a mesma medida seja aplicada aos OGMs? Quando um novo medicamento é lançado (ou um gene é descoberto), e que um laboratório farmacêutico tem a patente de um produto ou gene (e o direito exclusivo de produção ou estudo e manipulação), muitos cientistas vêm a público com críticas dessas práticas (inclusive a própria Scientific American!) e suas possíveis conseqüências para o acesso das pessoas a essas tecnologias e quem seriam os grandes beneficiários delas. Por que essa preocupação parece tão absurda aos olhos dos mesmos cientistas e membros da Scientific American no caso dos OGMs?

7. Meu sexto ponto não é um argumento, mas um experimento rápido que sugiro que as pessoas façam: pense em sua verdura ou legume favorito. Agora vá até o mercado, a feira, ou onde quer que você faça suas compras. Encontre uma versão orgânica e uma versão geneticamente modificada. Compre um de cada. Coma um de cada. Pense se você gostaria de continuar sabendo qual é qual na próxima vez que você for fazer compras ou se, realmente, tanto faz.

Monday, September 2, 2013

Filosofia e arte

Quem gosta de arte (além de filosofia) vai gostar do trabalho da Renee Jorgensen Bolinger, doutoranda na University of Southern California: ela (que também é pintora) faz retratos de filósofos(as) usando o estilo do(a) artista do período que mais tem em comum com o(a) filósofo(a) em questão.

Ela já tem a série I disponível online (pôsteres à venda no site dela e outras coisas à venda aqui). A série II deve sair em breve.


Tuesday, August 20, 2013

"Do psicologismo"

Muita gente vem parar aqui no blogue fazendo buscas pelo termo "psicologismo" (buscas que levam, em geral, a este post).

Agora, para quem quiser ler mais sobre o tema, além das referências de sempre, também está disponível em tradução para o português o texto "Vom Psychologismus", de Franz Brentano. A tradução, intitulada "O psicologismo: ou o porquê não sou um psicologista", foi feita pelo Evandro O. Brito, que é professor na USJ, em Santa Catarina. Está disponível em formato pdf aqui.

Thursday, July 25, 2013

Fuga



Infelizmente, algumas das melhores cabeças do país nas áreas de humanas só conseguem ter condições de trabalho decentes e atingir seu potencial pleno em um lugar: fora daqui.

Thursday, May 9, 2013

R.I.P. Dallas Willard

Ontem morreu Dallas Willard, que era professor de filosofia na University of Southern California.

Descobri que ele havia morrido por meio de amigos cristãos, que postaram obituários no Facebook. Willard era muito conhecido por seu trabalho sobre a espiritualidade cristã. Seu livro mais famoso é The Divine Conspiracy.

Contudo, demorei muito a descobrir esse lado cristão de Willard. Ouvi falar dele pela primeira vez no início da década de 2000, quando estava começando minhas pesquisas sobre a crítica de Husserl ao psicologismo. Willard havia escrito um livro intitulado Logic and the Objectivity of Knowledge: a study in Husserl's philosophy, que já naquela época estava esgotado (e indisponível em sites de livros usados).

Como parecia se tratar de um texto crucial para minha pesquisa, resolvi investir em uma última tentativa para conseguir ter acesso ao texto: em janeiro de 2006, enviei um e-mail a Willard, resumindo as idéias principais de minha pesquisa, explicando por que eu achava que o livro dele poderia contribuir para meus estudos, e perguntando se ele sabia como eu poderia conseguir o livro, ou se ele tinha uma versão digital que poderia me enviar.

Willard, bastante simpático, respondeu pedindo meu endereço de correspondência, e dizendo que mandaria uma cópia do livro. Menos de um mês depois, em 15 de fevereiro de 2006, recebi o livro em minha casa.



É uma pena que o livro esteja esgotado e que não haja sequer edições usadas ou versões digitais para baixar, porque é um livro excelente, que trata de um assunto pouco estudado (ao menos, em comparação aos outros) da filosofia husserliana: a transição do pensamento husserliano da Filosofia da Aritmética às Investigações Lógicas.

Acho que qualquer dia desses vou digitalizar esse livro. Parece-me ser algo de que o mundo precisa. Ainda mais agora que Willard já não pode falar sobre esse assunto.

Tuesday, April 9, 2013

"Filósofa-mulher"

Na filosofia profissional (digo profissional porque tem muita gente se auto-intitulando ou sendo chamado(a) de "filósofo(a)" por aí), há, obviamente, uma disparidade bem grande na quantidade de mulheres e homens (mais que nas disciplinas consideradas tradicionalmente díspares nesse sentido como engenharia, e tecnologias da informação).

Isso acontece desde a graduação, e a disparidade se mantém nos níveis de mestrado e doutorado. Não tenho dados específicos sobre como as coisas estão no Brasil, mas, até recentemente, o mundo todo parecia seguir a mesma tendência.

Há muitos tipos de problema com essa disparidade. Durante minha graduação, embora a diferença de contingente estivesse bastante óbvia, nunca a achei intimidadora. Nunca achei, até que ela me foi apontada. Mas, nessa época, eu não era do tipo de ficar quieta em discussões, e eu consegui atravessar bem meus cinco anos de graduação e mais uns pingadinhos de pós-graduação sem muito stress nem muitos atritos. Existia sexismo? Sim, sempre. O tempo inteiro. Meu orientador era uma das maiores fontes dele, aliás, mas isso é outra história.

Quando fui fazer o mestrado, nos EUA, percebi que estava em um departamento cujo corpo discente era 90 a 95% masculino e, que, mais que isso, os eventos sociais eram segregados e a diferença entre os tipos de participação em sala de aula eram muito mais marcadas. Felizmente, posso dizer que o pior (essa estada nos EUA) já passou. Sobrevivi a ela me aliando a pessoas que não reproduziam esses modelos segregatórios ultrapassados. Durante os quase quatro anos que passei lá, fiz um grande amigo e uma amiga (feminista e ativista de direitos dos animais, que hoje em dia trabalha no Institutional Review Board de uma grande universidade). Nada mais.

Nunca pensei em me chamar de "feminista" assim como nunca me pareceu necessário me designar anti-racista, racional, ser humano etc. O rótulo de feminismo que uso hoje em dia sempre foi, para mim, o modo default. Mas, cada vez mais, se faz necessário sublinhar o óbvio.

Desde 2011, tenho feito minha pesquisa em uma universidade cujo programa de pós-graduação em filosofia não parece ter uma disparidade tão grande nem tão óbvia no que diz respeito à razão de alunos-alunas. Tenho também a sorte de fazer parte de uma cátedra de pesquisa que, embora dirigida por um homem, não está nada mal no quesito paridade de homens e mulheres.

Por outro lado, estou em um departamento que, durante um ano e meio, teve apenas uma mulher em seu quadro de docentes. Esse é um departamento no qual, ao entrar nas salas de aula dos cursos de filosofia analítica (metaética e problemas de ética, por exemplo) de graduação, vejo, em minha lista de chamada, que dos 25 nomes, apenas 2 ou 3 são de mulheres. Nessas mesmas salas de aula, durante os cursos, os alunos fazem perguntas. Os alunos. As alunas, quase nunca.

Não é muito claro que as alunas se sintam à vontade, que se sintam representadas, seja na graduação, seja na pós.

Atualmente, meu departamento tem três mulheres no quadro de docentes (em breve, quatro!). E elas resolveram organizar uma série de encontros com as estudantes, para saber quais os problemas e as dificuldades que enfrentamos em nossa vida acadêmica. Fiz parte de um grupo de 7 alunas convidadas à discussão. Essa foi apenas uma discussão preliminar, uma espécie de avaliação do estado de coisas. No ano acadêmico que começa em setembro essas discussões começarão (eu espero!) a se reverter em ações.

Alguns problemas e potenciais soluções já foram levantados. Deixo aqui alguns comentários de coisas que parecem poder (e, ao meu ver, devem) ser implementadas em qualquer contexto acadêmico filosófico, em qualquer país:

- Para o problema de disparidade numérica, principalmente quando ele provem de dificuldades de retenção de alunas, o sistema de financiamento educativo (através de empréstimos ou bolsas) pode ser revisto de modo a buscar compensar a disparidade. Não se deve, entretanto, limitar que os auxílios financeiros se reservem a nichos de pesquisa (não se deve, por exemplo, propor financiar apenas mulheres que estudem feminismo, ou áreas consideradas "femininas", como care ethics).

- Para o problema de representatividade, é muito importante que as alunas possam se espelhar em algum modelo. É importante que, nas conferências organizadas pelo departamento, se convidem especialistas que sejam mulheres - isso é particularmente válido para departamentos com problemas de disparidade de gênero no quadro docente. Se o departamento tem apenas um grande evento anual, em que apenas um acadêmico é o convidado de honra para dar uma (ou uma série de) palestra(s), é importante que, algumas vezes (ano sim, ano não, por exemplo), a pessoa convidada seja uma mulher.

- Ainda para o problema de representatividade: é bastante óbvio para mim que não se pode (não sem muito esforço, ao menos) encontrar grandes filósofas (e textos delas!) da antiguidade e da Idade Média, por exemplo. Por outro lado, não lemos apenas fontes primárias. Há muitas fontes secundárias (livros especializados, artigos...) escritos por excelentes pesquisadoras. Isso sem falar em manuais. Não precisamos só ficar martelando em Judith Butler, Hannah Arendt e Simone de Beauvoir. Assim, de cara, poderia pensar também nas contribuições de filosofia antiga de Martha Nussbaum, a filosofia moral de Christine Korsgaard, os estudos tomistas de Eleonore Stump, a lógica da Susan Haack... e isso só para citar os nomes mais famosos que me vêm à mente.

- Uma das coisas que mais me chamaram a atenção, no entanto, foi que as alunas de graduação realmente precisam de um espaço seguro para onde levar suas preocupações e reclamações. Esse foi o maior pedido que elas fizeram durante a reunião. Quando eu estava nos EUA, alguns professores e administradores escolhiam marcar seus escritórios como "safe space" para indicar um espaço seguro e de aceitação para alunos "LGBTQ". Meu escritório à época obviamente tinha uma dessas placas. Mas eu acho um pouco preocupante que precisemos desse tipo de coisa. É um pouco assustador que um grupo de três professoras universitárias tenham de se dirigir a um grupo de alunas para assegurá-las de que a universidade pode (e deve) ser um espaço seguro para que elas (nós) sejamos mulheres e que sejamos respeitadas enquanto tal. Para nos assegurar de que há um canal aberto, caso as alunas sofram discriminação de gênero, assédio ou qualquer coisa do tipo. Se as universidades não vêem isso como o modo default, muita coisa ainda precisa mudar.

Aqui, demos um primeiro passo nessa direção. Espero que o primeiro de muitos - e que avancem rapidamente. E espero que, também no Brasil, os caminhos vão nessa mesma direção.

Para saber mais sobre a discriminação de gênero na filosofia (e outros problemas que as mulheres enfrentam nessa área), clique aqui (em inglês).

Thursday, April 4, 2013

Desacordo

Agora que ele me encaminhou um outro texto, um dos projetos que eu vou começar a empreender é mostrar ao Mikkel Gerken que as idéias dele têm um "quê" bem grande de epistemologia da virtude.

Na palestra que ele deu no dia 23 de março, os passos que ele sugeiru para a solução de desacordos epistêmicos (promover a transparência, atribuir corretamente o rótulo de expert, responsabilidade de testemunhos, mediação de testemunho e justificação testemunhal) parecem, a meu ver, poder ser expandidas até chegarmos a um tipo de epistemologia social baseada na responsabilidade dos agentes.

Mas isso é só um esboço do raciocínio que comecei há duas semanas. Mais sobre o tema depois que eu tiver lido o texto que ele gentilmente me enviou e formulado meus argumentos mais claramente.

Tuesday, April 2, 2013

Aspas

A gente se dá conta de que está trabalhando com ontologia e filosofia da linguagem em nível bem hardcore quando começa a achar que a decisão sobre o uso de um par de aspas em um texto acadêmico pode decidir seu futuro acadêmico.

Monday, April 1, 2013

Sunday, March 31, 2013

Ressureição

Nada de cristianismo por aqui, mas vou aproveitar o clima de Páscoa para ressuscitar este blog abandonado. Talvez funcione mais como um log de atividades que como um blog de conteúdo. A ver.

N.B.: começarei com o velho truque dos posts retroativos. Paciência.

Saturday, March 30, 2013

Meta-fatalismo

Apesar de achar que eu deveria dedicar minha vida à metafísica hardcore, acabei epistemóloga/eticista.

Quando achava que tudo estava perdido, passei as últimas duas semanas trabalhando com metafísica, linguagem e ontologia em Ockham e Aureoli.

E a autora do blog volta às origens.

Ontem mesmo, sem me dar conta de que estava no meio do feriado de Páscoa (vida acadêmica não tem feriado), passei horas tentando desvendar (por motivos profissionais - nada a ver com fé) uns mistérios de cristologia e incarnação em Cristo. Serendipidade?

Thursday, March 28, 2013

Como falar com seu professor/sua professora: guia passo a passo

Coisa que eu mais detesto na vida é ter de encontrar aluno que quer reclamar da nota que tirou no trabalho/na prova.

Felizmente, são raros os casos em que eu preciso lidar com isso. Em compensação, quando eu preciso...

Plena quinta-feira pré-Páscoa ("quinta-feira santa"?) e eu tenho de atender dois alunos que, basicamente, tinham a mesma reclamação: tinham ido mal no trabalho e "queriam entender por quê". Traduzindo para uma linguagem mais clara, eles queriam reclamar que foram mal, na esperança que eu aumentasse a nota deles.

Um me mandou um e-mail que era mais ou menos assim:
"Bom dia.
Gostaria, se possível, de marcar um horário com a senhora para conversarmos sobre o trabalho?
Obrigado."

O outro, mais ou menos nesses termos:
"Não tirei uma nota boa tirei um D podemos discutir isso semana que vem. Estarei disponível terça ou quarta."

Caros universitários, vejamos o que aprendemos observando essas duas amostras.

Primeira lição de vida: as formas de gentileza (bom dia, boa tarde, por favor, obrigado(a) etc.) continuam valendo, mesmo com o novo acordo ortográfico e demais. Professores e auxiliares de ensino são seres humanos e essas formas se aplicam também a eles.

Segunda lição de vida: pontuação. Para eu conseguir conversar com você, preciso entender que diabos você está dizendo. Se suas frases não fizerem sentido, há muito pouco que eu possa fazer por você.

Terceira lição de vida: você foi mal na prova/no trabalho. Entendi. Mas isso não te dá nenhum direito de decisão sobre as minhas horas de trabalho. Pergunte-me quais são minhas disponibilidades e veja quais se acordam a seus horários; não imponha seus horários a mim.

Quarta lição de vida: depois que eu me resignei a responder sua mensagem pouco clara e nada polida, não chegue 15 minutos atrasado ao meu escritório, especialmente se você souber (como eu lhe terei informado) que já tem outro aluno com horário marcado depois de você. Isso não apenas é inconveniente, mas demonstra que, além de mal-educado comigo, você não tem consideração sequer pelos seus colegas de classe.

Para evitar confusões, vai um modelinho bem simples de e-mail (podem usar ctrl+C ctrl+V), que pode ser usado quase universalmente para iniciar uma conversa com seu professor universitário/sua professora universitária:

Cara professora X,
Boa tarde. Sou seu aluno no curso Y e gostaria de saber se podemos nos encontrar para discutir o trabalho Z, que recebi de volta dia D, no qual tirei a nota N. Tenho dúvidas em relação a A, B e C no trabalho.
Obrigado
Atenciosamente,
Aluno

É claro que esse modelo é flexível e depende do tipo de relação que o professor ou professora estabelece com os alunos e as alunas. Mas ele ao menos dá uma idéia do nível de cordialidade que nós, seres humanos, esperamos do nossas contrapartes. Devo lembrar que, se o professor/a professora não deu seu endereço de e-mail, não é válido buscar no Google, Facebook ou qualqer forma de "stalkeamento". Se ele/ela não forneceu o endereço de e-mail, é por um motivo bem óbvio: não querem lidar com e-mails de alunos. Não insista; fale com ele/ela na universidade (antes ou depois da aula, durante o intervalo...). Desnecessário também dizer que, se for mandar e-mail, "internetês" e linguagem de mensagem de texto ("vc", "pfvr", "vlw" etc.) ficam vetadas.

Eu chegaria até a sugerir que o sucesso dessa técnica de "vencer professores pelo cansaço" tem uma taxa de sucesso bem mais alta quando você já não irrita o recipiente de seu e-mail logo de cara...

Wednesday, March 13, 2013

Habemus Reid

Não sei o que está rolando no Vaticano, mas, do outro lado do Atlântico, acaba ser ser lançada a primeira tradução de Thomas Reid para o português. A tradução é minha, e o responsável pela (ótima) edição dessa coleção é o Jonas Madureira.

Foi nesse projeto que eu passei o verão (da América do Norte) passado trabalhando, e foi o desenvolvimento dele que eu descrevi aqui e aqui.


REID, Thomas. Investigação Sobre a Mente Humana Segundo os Princípios do Senso Comum. Trad. Aline Ramos. São Paulo, Vida Nova, 2013.

Para quem se interessa por filosofia moderna, ceticismo e/ou epistemologia.

Está à venda no site da Vida Nova (a editora que publicou a tradução) e nas livrarias por aí. R$ 39,90.

Wednesday, February 13, 2013

Os convites estão na gráfica III

Capa em fase de aprovação. Bio e endossos progredindo. Logo, logo, tem livro quentinho saindo do forno.

Monday, January 7, 2013

Os convites estão na gráfica II

O texto foi aprovado pelo editor e foi para a diagramação.

O suspense continua.