Tuesday, March 29, 2011

A bioengenharia como ela é

Além do ScienceBlogsBr, existem por aí vários outros ótimos blogs de ciência. Um deles é o Ars Physica. Recentemente, um dos autores do blog compartilhou um vídeo de uma das conferências TED (TED talks), que deve realmente assustar as pessoas que não acompanham com frequência a literatura especializada em bioengenharia. Vale a pena ir ao site deles e assistir ao vídeo.

Eu sempre tive inúmeras reservas em relação à engenharia genética e à falta de regulamentações para o desenvolvimento de pesquisas desse tipo, e constantemente as pessoas me olham como se eu fosse uma pessoa altamente conservadora. Sim, eu sou relativamente conservadora em relação à engenharia genética, porque eu acompanho a área com uma certa assiduidade e sei que tem muita coisa muito assustadora. Aí, o pessoal assiste a vídeos como esse aí e fica abismado - e me dá um pouco de razão.

Pois é. Não digam que eu não avisei.

Friday, March 4, 2011

John Stuart Mill não era um bebê tigre

Há mais ou menos um mês, começou toda uma polêmica nos EUA em torno da publicação do livro "Battle Hymn of the Tiger Mother". O livro de Amy Chua explora o sucesso das mães chinesas (tiger mothers) na criação de seus filhos, forçando encorajando-os a ser sempre os melhores em tudo (à exceção das artes - salvo música - e esportes), mesmo às custas de danos psicológicos (minha contribuição tendenciosa).

Segundo Chua em um artigo para o Wall Street Journal, suas filhas nunca puderam: dormir na casa de uma coleguinha, brincar com outras crianças, participar de uma peça de teatro da escola, reclamar sobre não poderem participar de uma peça de teatro na escola, assistir TV ou jogar video-games, escolher suas próprias atividades extra-curriculares, tirar nota abaixo de A, não ser as melhores alunas de suas classes - a não ser em educação física e teatro -, tocar instrumentos musicais que não piano ou violino, não tocar piano ou violino.

Peter Singer escreveu uma resposta sensacional ao argumento de Chua. Embora, como eu já devo ter dito, eu geralmente discorde de Singer por seu embasamento teórico puramente utilitário, eu ainda acho que ele seja um dos mais brilhantes filósofos da atualidade, e a crítica que faz a Chua, enfatizando os benefícios da "mãe-elefante" em relação aos da "mãe-tigre" não apenas trata do problema de forma precisa, mas também aponta para o motivo que justifica (a meu ver - não necessariamente segundo Singer) as falhas de caráter e as características extremamente competitivas (e nem sempre psicologicamente saudáveis) dos jovens norte-americanos.

Singer sublinha o aspecto da sociabilidade, que é deixado de lado na concepção de Chua, e explica como (desde o bom e velho Aristóeles e seu ditame "O homem é um animal social (político)" lá no início da Política) as práticas sociais na infância são fundamentais para o aprendizado da ética. Singer acrescenta que estamos indo pelo caminho errado se desejamos que nossos filhos sejam simplesmente os melhores na escola:

"Devemos ter por objetivo que nossos filhos sejam pessoas boas, e que vivam vidas éticas que manifestem preocupação com os outros, bem como consigo próprios. Essa visão de criação de filhos não está separada da felicidade: há númeras evidências de que aqueles que são generosos e bondosos são mais satisfeitos com suas vidas que aqueles que não os são. Mas isso também é, em si mesmo, um objetivo importante.  Tigres vivem vidas solitárias, exceto as mães com seus filhos.  Nós, por outro lado, somos animais sociais.  E assim também o são os elefantes, e as mães-elefantes não focam somente no bem-estar de sua própria prole.  Juntas, elas protegem e cuidam de todos os bebês de sua manada, tratando-a como uma espécie de berçário.  Se nós pensarmos apenas nos nossos próprios interesses, estamos fadados ao desastre coletivo - basta ver o que estamos fazendo com o clima de nosso planeta.  Quando se trata de criar nossos filhos, precisamos de menos mães-tigres e mais mães-elefantes." (Peter Singer, sup. cit. (ver link), minha tradução)

Isso - especialmente o fato de o utilitarismo que eu tanto detesto em Peter Singer ser baseado no utilitarismo de John Stuart Mill - me levou a pensar em James Mill, que notoriamente criou seu filho (John Stuart Mill, o próprio), de maneira um tanto peculiar.

J.S. Mill, aos oito anos, já havia aprendido grego e latim e havia lido diversos diálogos de Platão, incluindo o Teeteto, um dos diálogos platônicos mais difíceis. Sim, J.S. Mill teve um colapso nervoso aos 20 anos, e escreveu em sua biografia que a causa disso poderia estar relacionada à sua infância atípica. No entanto, seu pai, apesar da rigidez que aplicou a sua educação, privilegiou também as artes/humanidades (Mill estudou e escreveu poesias, além de ter lido clássicos da literatura). Na adolescência, ao contrário das filhas de Chua, que deveriam ficar em casa estudando, Mill foi morar na França, onde começou a se engajar no meio político da época.  Pouco tempo depois, viria a se tornar um dos grandes pensadores de economia e política do século XIX, e um dos maiores teóricos de ética da história da filosofia.

A história de Mill prova que é possível ser uma mãe ou pai rigoroso(a), sem que se tenha, necessariamente, uma repressão das necessidades sociais humanas. O contrário da educação da mãe-tigre não é uma educação relapsa. É uma educação global, enfatizando a fomação social e ética - a educação da mãe-elefante.  Não sei se J.S. Mill podia passar a noite na casa dos amiguinhos, nem se era obrigado a tocar piano e/ou violino; e ele certamente não assistia TV nem jogava video-game (Mill morreu em 1873!), mas a educação que recebeu, apesar da rigidez, está muito mais próxima a uma educação medieval clássica, ou uma educação renascentista, que a uma educação chinesa (ou chino-americana) contemporânea.

John Stuart Mill não foi um bebê-tigre; ele foi, na verdade (ao que tudo indica), o grande paradigma do sucesso do bebê-elefante.