Tuesday, April 9, 2013

"Filósofa-mulher"

Na filosofia profissional (digo profissional porque tem muita gente se auto-intitulando ou sendo chamado(a) de "filósofo(a)" por aí), há, obviamente, uma disparidade bem grande na quantidade de mulheres e homens (mais que nas disciplinas consideradas tradicionalmente díspares nesse sentido como engenharia, e tecnologias da informação).

Isso acontece desde a graduação, e a disparidade se mantém nos níveis de mestrado e doutorado. Não tenho dados específicos sobre como as coisas estão no Brasil, mas, até recentemente, o mundo todo parecia seguir a mesma tendência.

Há muitos tipos de problema com essa disparidade. Durante minha graduação, embora a diferença de contingente estivesse bastante óbvia, nunca a achei intimidadora. Nunca achei, até que ela me foi apontada. Mas, nessa época, eu não era do tipo de ficar quieta em discussões, e eu consegui atravessar bem meus cinco anos de graduação e mais uns pingadinhos de pós-graduação sem muito stress nem muitos atritos. Existia sexismo? Sim, sempre. O tempo inteiro. Meu orientador era uma das maiores fontes dele, aliás, mas isso é outra história.

Quando fui fazer o mestrado, nos EUA, percebi que estava em um departamento cujo corpo discente era 90 a 95% masculino e, que, mais que isso, os eventos sociais eram segregados e a diferença entre os tipos de participação em sala de aula eram muito mais marcadas. Felizmente, posso dizer que o pior (essa estada nos EUA) já passou. Sobrevivi a ela me aliando a pessoas que não reproduziam esses modelos segregatórios ultrapassados. Durante os quase quatro anos que passei lá, fiz um grande amigo e uma amiga (feminista e ativista de direitos dos animais, que hoje em dia trabalha no Institutional Review Board de uma grande universidade). Nada mais.

Nunca pensei em me chamar de "feminista" assim como nunca me pareceu necessário me designar anti-racista, racional, ser humano etc. O rótulo de feminismo que uso hoje em dia sempre foi, para mim, o modo default. Mas, cada vez mais, se faz necessário sublinhar o óbvio.

Desde 2011, tenho feito minha pesquisa em uma universidade cujo programa de pós-graduação em filosofia não parece ter uma disparidade tão grande nem tão óbvia no que diz respeito à razão de alunos-alunas. Tenho também a sorte de fazer parte de uma cátedra de pesquisa que, embora dirigida por um homem, não está nada mal no quesito paridade de homens e mulheres.

Por outro lado, estou em um departamento que, durante um ano e meio, teve apenas uma mulher em seu quadro de docentes. Esse é um departamento no qual, ao entrar nas salas de aula dos cursos de filosofia analítica (metaética e problemas de ética, por exemplo) de graduação, vejo, em minha lista de chamada, que dos 25 nomes, apenas 2 ou 3 são de mulheres. Nessas mesmas salas de aula, durante os cursos, os alunos fazem perguntas. Os alunos. As alunas, quase nunca.

Não é muito claro que as alunas se sintam à vontade, que se sintam representadas, seja na graduação, seja na pós.

Atualmente, meu departamento tem três mulheres no quadro de docentes (em breve, quatro!). E elas resolveram organizar uma série de encontros com as estudantes, para saber quais os problemas e as dificuldades que enfrentamos em nossa vida acadêmica. Fiz parte de um grupo de 7 alunas convidadas à discussão. Essa foi apenas uma discussão preliminar, uma espécie de avaliação do estado de coisas. No ano acadêmico que começa em setembro essas discussões começarão (eu espero!) a se reverter em ações.

Alguns problemas e potenciais soluções já foram levantados. Deixo aqui alguns comentários de coisas que parecem poder (e, ao meu ver, devem) ser implementadas em qualquer contexto acadêmico filosófico, em qualquer país:

- Para o problema de disparidade numérica, principalmente quando ele provem de dificuldades de retenção de alunas, o sistema de financiamento educativo (através de empréstimos ou bolsas) pode ser revisto de modo a buscar compensar a disparidade. Não se deve, entretanto, limitar que os auxílios financeiros se reservem a nichos de pesquisa (não se deve, por exemplo, propor financiar apenas mulheres que estudem feminismo, ou áreas consideradas "femininas", como care ethics).

- Para o problema de representatividade, é muito importante que as alunas possam se espelhar em algum modelo. É importante que, nas conferências organizadas pelo departamento, se convidem especialistas que sejam mulheres - isso é particularmente válido para departamentos com problemas de disparidade de gênero no quadro docente. Se o departamento tem apenas um grande evento anual, em que apenas um acadêmico é o convidado de honra para dar uma (ou uma série de) palestra(s), é importante que, algumas vezes (ano sim, ano não, por exemplo), a pessoa convidada seja uma mulher.

- Ainda para o problema de representatividade: é bastante óbvio para mim que não se pode (não sem muito esforço, ao menos) encontrar grandes filósofas (e textos delas!) da antiguidade e da Idade Média, por exemplo. Por outro lado, não lemos apenas fontes primárias. Há muitas fontes secundárias (livros especializados, artigos...) escritos por excelentes pesquisadoras. Isso sem falar em manuais. Não precisamos só ficar martelando em Judith Butler, Hannah Arendt e Simone de Beauvoir. Assim, de cara, poderia pensar também nas contribuições de filosofia antiga de Martha Nussbaum, a filosofia moral de Christine Korsgaard, os estudos tomistas de Eleonore Stump, a lógica da Susan Haack... e isso só para citar os nomes mais famosos que me vêm à mente.

- Uma das coisas que mais me chamaram a atenção, no entanto, foi que as alunas de graduação realmente precisam de um espaço seguro para onde levar suas preocupações e reclamações. Esse foi o maior pedido que elas fizeram durante a reunião. Quando eu estava nos EUA, alguns professores e administradores escolhiam marcar seus escritórios como "safe space" para indicar um espaço seguro e de aceitação para alunos "LGBTQ". Meu escritório à época obviamente tinha uma dessas placas. Mas eu acho um pouco preocupante que precisemos desse tipo de coisa. É um pouco assustador que um grupo de três professoras universitárias tenham de se dirigir a um grupo de alunas para assegurá-las de que a universidade pode (e deve) ser um espaço seguro para que elas (nós) sejamos mulheres e que sejamos respeitadas enquanto tal. Para nos assegurar de que há um canal aberto, caso as alunas sofram discriminação de gênero, assédio ou qualquer coisa do tipo. Se as universidades não vêem isso como o modo default, muita coisa ainda precisa mudar.

Aqui, demos um primeiro passo nessa direção. Espero que o primeiro de muitos - e que avancem rapidamente. E espero que, também no Brasil, os caminhos vão nessa mesma direção.

Para saber mais sobre a discriminação de gênero na filosofia (e outros problemas que as mulheres enfrentam nessa área), clique aqui (em inglês).

Thursday, April 4, 2013

Desacordo

Agora que ele me encaminhou um outro texto, um dos projetos que eu vou começar a empreender é mostrar ao Mikkel Gerken que as idéias dele têm um "quê" bem grande de epistemologia da virtude.

Na palestra que ele deu no dia 23 de março, os passos que ele sugeiru para a solução de desacordos epistêmicos (promover a transparência, atribuir corretamente o rótulo de expert, responsabilidade de testemunhos, mediação de testemunho e justificação testemunhal) parecem, a meu ver, poder ser expandidas até chegarmos a um tipo de epistemologia social baseada na responsabilidade dos agentes.

Mas isso é só um esboço do raciocínio que comecei há duas semanas. Mais sobre o tema depois que eu tiver lido o texto que ele gentilmente me enviou e formulado meus argumentos mais claramente.

Tuesday, April 2, 2013

Aspas

A gente se dá conta de que está trabalhando com ontologia e filosofia da linguagem em nível bem hardcore quando começa a achar que a decisão sobre o uso de um par de aspas em um texto acadêmico pode decidir seu futuro acadêmico.

Monday, April 1, 2013