Sunday, January 24, 2010

É realmente possível que pessoas igualmente inteligentes discordem? Mas como?

Como duas pessoas extremamente inteligentes podem discordar tão fortemente sobre alguns assuntos, inclusive sobre seus objetos de estudo?

O desacordo (ou a discordância) é um dos assuntos da moda na filosofia. Páginas e páginas (acho que bibliotecas inteiras na verdade) foram e ainda estão sendo escritas sobre o assunto.  Muitas dessas páginas são intermináveis discussões elaboradíssimas (e, consequentemente, herméticas)
em filosofia analítica. Mas aí veio MacIntyre...

Não é segredo que eu sou fã do Alasdair MacIntyre.  No ano passado saiu esse livro do Lawrence S. Cunningham, Intractable Disputes About the Natural Law: Alasdair MacIntyre and critics (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 2009 – ainda sem tradução para o português), que é uma ótima referência para lidar com desacordos morais.  O livro tem um ensaio de MacIntyre, seguido por réplicas de outros grandes filósofos, seguidas por tréplicas de MacIntyre.

Em seu artigo, MacIntyre oferece (como de costume) uma posição aristotélica/kuhniana (darwinista) do anti-relativismo (cf. cinco tipos de discordância moral – pp. 8-11). Vamos ver o que isso significa.

Sua posição é aristotélica porque ele considera a verdade como fim da atividade teórica, e consideram importante a objetividade (ou inter-subjetividade, mas esse é outro ponto...) do conhecimento (p. 15).  MacIntyre também é famoso por sustentar uma posição focada nas idéias de virtude e eudaimonia (e também prudência, mas essa não é tão presente neste livro).

Sua posição também é kuhniana (ou darwinista, segundo alguns estudiosos) porque ele se baseia fortemente nas idéias de progresso, incomensurabilidade e paradigmas (cf. pp. 35-38), ao mesmo tempo em que procura uma base comum para o discurso compartilhado (para MacIntyre: um discurso moral compartilhado, visto principalmente em sua crítica ao utilitarismo). Mais sobre esse tema pode ser visto no artigo “Epistemological Crises, Dramatic Narrative, and the Philosophy of Science” (The Monist. 60. 1977).

A estrutura do argumento (os dos fundamentos da questão) de MacIntyre neste livro, apresentada na p. 3, é a seguinte:
1.      Os preceitos da lei natural (ou direito natural) como preceitos da razão, têm aplicação universal.
2.     Raramente se chega a acordos universais sobre questões morais.
3.      O relato tomista (= de Tomás de Aquino) da racionalidade prática – a questão é: o que a racionalidade requer quando nos vemos diante de outro indivíduo com quem estamos em radical desacordo?

Qualquer investigação coletiva só é possível se estiver de acordo com a racionalidade.  Mas como o desacordo pode existir, então? MacIntyre sugere que isso se dá devido a falhas na racionalidade prática.  Assim, ele diz, “é possível estabelecer que um ponto de vista moral pode ser racionalmente superior a outros sem que se garanta o assentimento de pessoas extremamente inteligentes, perceptivas e atenciosas, partidários de outros pontos de vista” (p. 4, minha tradução).

O resuminho é o seguinte: temos a lei natural. Conhecemos seus preceitos primários devido à racionalidade (à racionalidade dos preceitos e à nossa racionalidade). Os problemas, então, surgem devido a falhas na aplicação desses preceitos primários.

Uma consequência dessa linha de argumento é que qualquer prática que não pressuponha argumentos teóricos justificados através dos preceitos da lei natural falha no quesito racionalidade (p. 24). MacIntyre não tem medo de ser consistente.

Considerações externas como prazer, dinheiro e poder podem afetar (negativamente) o potencial acordo entre as partes envolvidas.  No entanto, a imaginação (um aspecto extremamente importante em qualquer teoria aristotélico-tomista, aliás), especialmente a imaginação de observadores externos e neutros, contribui para que haja ume certo nível básico de acordo.

Para quem se interessa pelo assunto, MacIntyre dedica uma boa parte de seu artigo à crítica do utilitarismo (especialmente pp. 38-45), baseando-se em problemas metaéticos e na ambiguidade do termo “felicidade” (eudaimonia, beatitudo), e também com base em noções incompatíveis de o que caracteriza a natureza humana.  Uma das coisas mais brilhantes que MacIntyre faz (embora eu não esteja 100% convencida de que o argumento se sustenta) é mostrar que os aristotélicos tomistas compreendem o utilitarismo melhor que os utilitaristas.

Queria terminar com um “viva MacIntyre”, mas acho que tem gente que não vai concordar. Ironicamente.