Thursday, September 25, 2014

Lavanderia

É muita roupa suja para lavar. Então, comecemos.

Lá nos idos dos anos 00, quando eu ainda estava no meu primeiro mestrado, um professor criticou duramente minha escolha de usar Thomas Kuhn (principalmente A Estrutura das Revoluções Científicas) como uma das principais referências de um dos meus trabalhos de conclusão de mestrado, dizendo, quase ipsis litteris, que aquilo tudo era uma grande bobagem, que tudo o que Kuhn diz é uma porcaria ("bullshit" e "crap" foram as palavras utilizadas pelo Grande Sábio em questão), e que estamos todos(as) cansados(as) de saber disso.

Ok, Senhor Acadêmico. Perdão por ofender seu brilhantismo com uma teoria boba e ultrapassada.

Avancemos alguns anos...


Há umas duas ou três semanas, a Claudine Tiercelin (que, aliás, foi colega do Brilhante Acadêmico acima) começou uma corrente no Facebook. Adaptando uma corrente que já existia, ela perguntou para algumas pessoas (e a coisa chegou a mim) quais os dez livros que as tinham feito começar e continuar a estudar filosofia. Nessa história de corrente de Facebook, as pessoas vão se "tagueando" e foi fácil ir acompanhando as listas das pessoas. Vi listas de colegas da França, do Canadá, dos EUA, do Brasil etc., e pude constatar que A Estrutura das Revoluções Científicas fazia parte da lista de, talvez, 8 a cada 10 pessoas.

Não estou dizendo que fiz uma investigação sistemática, estruturada ou exaustiva do tema, mas as -- talvez poucas -- amostras vieram de várias partes diferentes do mundo, de pessoas com formação completamente diferente da minha. E eis que o Kuhn estava lá, como um pontinho em comum.

É óbvio que isso também não quer dizer que Kuhn não seja ultrapassado, mas a freqüência da menção dA Estrtutura me dá cada vez mais certeza de que, não, o que ele diz não pode ser totalmente classificado como bobagem e descartado porque é filosofia velha, batida. O que Kuhn diz não somente não é trivial, mas, ao lado de Platão, Aristóteles, Descartes, e Kant, teve impacto suficiente na formação das pessoas para merecer esse lugar privilegiado, ao lado dos outros grandes.

Enfim. Não é como se eu estivesse vidrada no placar, mas sinto muito, Senhor Brilhante Acadêmico; o ponto aí foi meu.

1 comment:

Eros said...

Coitado, perdeu a chance de fazer não um juízo tão equivocado. Kuhn, embora não sozinho e talvez não pela primeira vez, articula muito bem alguns pontos bastante substanciais: i) modelos muito abstratos da ciência (empirismo lógico e falsificacionismo) deixam de fora elementos fundamentais para compreendemos adequadamente a racionalidade científica ii) a racionalidade científica está baseada em algum know-how e não pode ser completamente explicitada em regras e iii) não há como compreender a racionalidade científica sem dar o devido destaque à dimensão social da prática científica (justiça seja feita, Popper também estava chamando atenção para isso), em oposição às epistemologias individualistas hegemônicas até então. Nenhum desses pontos é trivial.

E bom, aguardamos ansiosamente ainda a publicação dos últimos textos de Kuhn, que está sob os cuidados do J. Conant.